quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

"Gaudete et Exultate" (V) | Características da santidade no mundo atual

Características da santidade no mundo atual


O mundo precisa dos sinais que apontem para Deus. Alguns aspectos do chamado a santidade têm ressonância especial e dizem respeito a manifestações do amor a Deus e ao próximo que vão de encontro às características negativas do mundo atual como: ansiedade nervosa e violenta, negativismo, tristeza, preguiça (acídia) cômoda, assim como a falsa espiritualidade sem encontro com Deus.

Os apelos de santidade que são respostas a essas características são: tolerância, paciência e mansidão. Devo permanecer centrado e firme em Deus. Fidelidade ao amor, paciência e constância no bem. Manter-se ao lado dos outros mesmo sem satisfação imediata, suportar as dificuldades da vida, agressões e imperfeições do outro. Buscar fortaleza interior para suportar as lutas de cada dia. ‘Desapareça a ira, gritaria e ultrajes do vosso meio’. Devemos perseverar no bem e no amor. Nunca pagar o mal com o mal. Quem devolve o mal com o mal já foi absolvido e dominado pelo mal. Isso é sinal de fraqueza. Se devolvo o mal com o bem eu desarmo mal, mato o mal. Ele se desconcerta e assim o bem vence. Devo ter cuidado com as iniciativas agressivas e egocêntricas.

Sempre podemos recorrer a âncora da súplica para estarmos juntos de deus em paz. Não se deixar preocupar por nada, tudo pôr nas mãos de Deus. Somos apenas colaboradores de Deus. Que nada nos aflija o coração, nada nos perturbe, tudo passa, só deus basta (diz Santa Teresa). Devo ter confiança inabalável em Deus em todas as circunstâncias. Cuidado com a violência e agressividade nas redes sociais, sobretudo católicas. A língua descontrolada é fogo que põe em chamas toda a roda da vida. Cuidado para não deixar o bem e fazer o mal.

Devo pedir a Deus a graça de calar e a graça de falar na hora certa. Pensar antes de falar. A graça aplaca a vaidade e torna possível a santa devoção. Devo considerar os outros superiores a mim mesmo. Devo lutar contra o meu eu, senão eu fico só a semear o mal ao meu redor. Devo ter firmeza interior para não falar mal das fraquezas dos outros. Não querer sempre dar lições aos outros. Isto é uma forma sutil de violência. Não tratar o outro como um igual, é uma violência. Não devo pisar nos outros, mas mostrar-me sempre propenso a ser ensinado pelos outros. ‘Alegrar-me com o bem dos outros como se fossem meus: assim vencerei o mal com o bem e afastarei o demônio e todo o mal pra longe de mim’. (aconselhava São João da Cruz)

Se não me exercitar não chegarei a verdadeira caridade. A perturbação é uma falta de amor. Devo procurar exercitar ser simpático com aqueles com os quais tenho mais dificuldade, aqueles que não quero reconhecer as virtudes. Devo fazer o bem a todos por amor a Deus. Assim seremos capazes de não dar vazão aos impulsos egoístas e mesquinhos. A humildade só se enraíza no coração através das humilhações. Devo suportar as humilhações e oferecê-las a Deus. Aí está o caminho da santidade. A humilhação faz-me semelhante a Jesus.

A humildade é uma virtude que vem de Deus. Devo combater os vícios executando a virtude contrária ao vício A vida terrena de Jesus é caracterizada pelo esvaziamento. Deus desceu até nós. É próprio de Deus se rebaixar e vir a nós. Por isso quem se humilha será exaltado. Somente aos humildes Deus se revela. O humilde reconhece o seu lugar, reconhece que é terra. Devo entender e aceitar o meu lugar e não olhar pra ninguém pelo status ou posse, mas olhar os outros como irmãos. O humilde se conhece dependente de Deus, se abandona e confia em Deus que o capacita a suportar a morte e os sinais de morte. Nas asas de Deus ele alça voo. Devo cultivar a virtude da humildade, pedir ao Senhor a graça. Suportar algo para ofertar ao Senhor, sobretudo as injustiças. Ter coragem de discutir amorosamente, mesmo trazendo consequências negativas para a própria imagem. Quem se libertou do egocentrismo é capaz de compadecer-se do outro e ser auxílio para o outro.

A humildade traz crescimento e amadurecimento. Através dela percebemos o que é mais importante na vida .A humildade pressupõe um coração pacificado por Cristo, uma segurança interior. Cristo é a nossa paz e Ele dirige nossos passos no caminho da paz. Tudo parte de dentro para fora, da união com o Senhor. Ele transforma e pacífica o meu coração.

Cultivar a vida espiritual dia a dia. Travar um grande combate com meu próprio eu. Se o levo com rédea curta, nenhum inimigo espiritual irá prevalecer. Não é o outro que tem que mudar, eu é que devo buscar a graça de ser melhor. O meu progresso ajudará o outro. Devo combater o bom combate contra mim mesmo com alegria e senso de humor, que é fruto da gratidão a Deus. Estas atitudes devem ser latentes em todo o consagrado. É assim se identificam os discípulos de São Francisco.

Ser cristão é ser alegre no Espirito Santo. Quem ama sempre se alegra na união com o amado. Do amor e caridade segue-se a alegria. ‘A alegria do Senhor será nossa força’. Conhecemos o Senhor e a intimidade com Deus nos capacita à alegria perene, mesmo na dor. Nada pode destruir a alegria espiritual. Somos infinitamente amados. Devo ter segurança interior e serenidade. Normalmente a alegria é acompanhada de senso de humor. A tristeza tem a ver com ingratidão. Quem está fechado em si mesmo não percebe os dons de Deus. Devo manter o espírito flexível e adaptar-me diante das situações. Ver nas coisas pequenas os sinais de Deus somos de Deus e agradecer por tudo. Isso também é humildade. A gratidão e louvor a Deus tornam a vida mais leve. Equilíbrio é preciso. Cuidado com a euforia desordenada. Devo dosar as coisas. A alegria deve-se viver em comunhão. Há mais alegria em dar que receber. Deus ama quem dá com alegria. É mais alegre quem se preocupa com os irmãos. Meu rosto pertence ao outro. O que estou apresentando ao outro? Tem de ser algo espontâneo que venha de dentro. Não deixar prevalecer o mal.

Ousadia e ardor são características da santidade no mundo atual .É parresia. A ousadia é o impulso evangelizador que deixa marcas no mundo. ‘Não tenhas medo, diz Jesus, eis que estou convosco todos os dias até o fim dos tempos’. Deus nos dá coragem como deu aos apóstolos para anunciá-lo. A parresia supõe liberdade. Uma existência aberta e disponível a Deus e aos irmãos; dá-nos o impulso de falar com autoridade. Com entusiasmo anunciar o Evangelho, com ardor e sem importar-se com julgamentos. Agir com segurança na força e na luz do Espírito Santo. Ser santo é ser audacioso. Não fazer nada por ‘mim mesmo’ mas deixar-me guiar por Deus. Ir além e sem medo de ser feliz. Agir com coragem.

A parresia não é imprudência nem precipitação, é fruto da fé, confiança e entrega da vida a Deus. Isso significa liberdade de uma existência aberta e disponível aos irmãos ‘eis-me aqui Senhor!’ Se vier o medo, no primeiro momento rezo, num segundo. momento lanço-me! Existe porém um obstáculo para evangelização: é a carência de parresia, de ardor. Devo gastar-me a serviço do reino. Ai de mim se eu não realizar o que o Senhor espera de mim! Devo dar frutos ser aquilo que Deus pensou de mim quando me criou. Deus não nos quer na superficialidade da vida; só ficar no plano de nossos projetos pessoais. Devo aprofundar-me no exercício da minha vocação e avançar para águas mais profundas.

Viver, amar, rezar e servir em profundidade. Deve-se ter a coragem de lançar-se nas mãos do Senhor, ser intrépido. Deus só quer o nosso sim, o nosso abandono total. O restante Ele mesmo irá realizar. Quanto mais confio em Deus mais desconfio de mim mesmo. Nós somos todos frágeis, mas portadores de um grande tesouro que pode nos tornar grandes. Este tesouro não é para mim, é para ser entregue. Por isso devo ser dócil nas mãos do Senhor. Isso beneficiará os outros.

Nada nos poderá separar do amor de Deus. Precisamos do impulso do Espírito para não paralisarmos pelos medos e perigos. Devemos rezar pedindo parresia. Coragem para enfrentar os males não recuar diante dos desafios. Confiar somente. A alegria está ligada a parresia. Como Jonas, somos continuamente tentados ao comodismo. Devo sair da minha zona de conforto.

O que eu não compreendo Deus o sabe. Ele nos move a ir além, lá onde está a humanidade mais ferida. Deus ultrapassa os nossos sistemas Se ousarmos ir às periferias, Deus já estará lá, à nossa espera. Tudo é de Deus e eu sou somente um colaborador dele. Liberta-me da inércia, Senhor! Devo ouvir o clamor de Cristo. Se for preciso mexer no vespeiro, o farei sem ter medo de ser picado. Devo arriscar a vida à custa da comodidade.

Os santos nos surpreendem. Eles nos convidam a sair da mediocridade. Peçamos a graça de não hesitar quando Deus nos pede dar um passo à frente. Não sejamos simplesmente um ‘museu de recordações’. Devo estar aberto às novidades de Deus. Se Deus me pede algo que exige sacrifício, maior alegria terei nesta experiência. O amor também será maior . Se a experiência da cruz é mais intensa, mais intensa será a experiência da ressurreição.

Tudo devo viver em comunidade de fé e de amor. É difícil lutar contra as concupiscências e tentações se estivermos isolados. Quando isolados, sucumbimos. A santificação é um caminho comunitário. Deve se fazer em conjunto. A igreja já canonizou comunidades inteiras, como os sete fundadores do Servitas, São Paulo e companheiros mártires do Japão, Santo André e companheiros mártires da coreia, etc. .Há também muitos casais santos: por exemplo os pais de santa Terezinha. A comunidade é chamada criar um espaço teologal de experiência mística do Senhor Ressuscitado.

A comunidade é o lugar privilegiado da presença do Senhor. Existem exemplos de experiências místicas vividas em comum: como São Bento e Santa Escolástica, Santo Agostinho e sua mãe, que viveram um êxtase juntos, Santa Clara e São Francisco certamente. A vida comum tem muitos detalhes diários. É o reflexo da beleza da comunhão Trinitária .A experiência extraordinária é vivida em momentos místicos, mas a experiência ordinária de Deus é realizada no cotidiano da vida. Devo prestar atenção aos detalhes ao meu redor. Nos pequenos detalhes pode haver grande medida de amor.

Encontrarei Deus não somente nas grandes coisas, mas nas coisas pequeninas.

Existem palavras chaves que devo usar com frequência na vida: com licença, obrigado e desculpe. Por favor também. Na comunidade devemos cuidar uns dos outros. Lembremos que a comunidade é o lugar da presença do Ressuscitado. Devo desejar a unidade na comunidade e ser instrumento de unidade. O caminho da santificação passa pela vida comunitária. Devo ter cuidado com o que falo, com as brincadeiras que faço. Devo ter espírito esportivo, mas pensar duas vezes antes de falar e na dúvida, manter o silêncio.

Fala, Senhor! Devo deixar me confrontar com o Espírito Santo. Estar disposto a escutar Deus e renunciar os meus maus hábitos, o meu ponto de vista parcial, os meus esquemas, a fim de acolher o chamado que me leva a uma vida melhor. Pode ser que em meio a distração não ouçamos a Deus. Devo então abrir-me ao querer de Deus para que o discernimento aconteça.

Não posso me limitar a um plano pessoal quadrado. O plano de Deus para minha vida me leva muito além do que eu planejei e quebra as minhas seguranças. Devo apoiar-me somente em Deus e ele me conduzirá aonde Ele quiser. E me levará a uma vida melhor e mais plena. isto implica uma obediência ao Evangelho e ao Magistério da Igreja que nos indica o que é mais fecundo para o hoje da história da salvação. isto liberta-me da rigidez que não dá lugar para o Ressuscitado agir. A novidade do Evangelho virá a mim como uma nova luz.

Se tenho uma inspiração, mas esta contradiz o Evangelho ou ao Magistério da Igreja, esta inspiração não vem do Espírito de Deus. A abertura a Deus é uma chave para o discernimento.

A lógica do dom e da cruz educa-me para a paciência de Deus e os seus tempos que não são os nossos. Isto requer generosidade de reconhecer como cumprir melhor a missão recebida no Batismo; implica renúncias. Somos chamados a viver pela fé a eternidade no tempo este é o Kairos, o tempo de salvação.

Agora é tempo oportuno para Deus agir e a graça acontecer. Deus irá agir na vida dos outros através da minha oração, entrega e sacrifício. Assim eu serei um instrumento de salvação para os outros. Devo entrar na lógica de Deus e deixar que o plano de Deus aconteça. Quando sondamos os caminhos da vida não há espaços que possam ficar excluídos. Sempre posso crescer mais e dar mais a Deus. Devo pedir ao Espirito Santo que me liberte e me deixe moldar por Ele. Às vezes não quero entregar tudo e tenho reservas. Que nada deixe de ser iluminado pelo Senhor pois a conversão passa por aí. Não posso me fechar. Deus quer fazer grandes coisas em mim. Preciso sair de mim mesmo e permitir que Deus me leve à perfeição. É preciso ter confiança e abandono como uma criança.

O Papa Francisco coroa a "Exortação Apostólica Gaudete et Exultate" com a figura de Maria que viveu todas as bem aventuranças evangélicas. Via Deus em tudo. Maria é o nosso modelo. O ponto alto do sim de Maria é a Cruz. Ali a sua missão é elevada à plenitude, pois na anunciação tinha sido convidada a ser mãe de Jesus, mas na Cruz foi convidada a ser mãe da Igreja. Uma mãe que intercede sempre por todos nós. Maria é a corredentora. Viveu plenamente a Cruz e a Ressurreição. É a cheia de graça, a amada do Senhor.

Quanto maior a cruz maior a predileção. No Calvário Maria, como mãe, sofreu horrivelmente, e como discípula permaneceu de pé. Conversar com Maria nos consola em nossas dificuldades. Ela nos leva nos braços. É suficiente sussurrar ‘Ave Maria...’. Devo expressar meu amor filial por Maria. Eu sou o discípulo amado. Devo trazer Maria comigo, em meio às minhas cruzes. Assim serei capaz de superar as dificuldades e permanecer de pé junto à Cruz. Assim teremos uma felicidade que o mundo não nos pode tirar. 

Buscar a santidade está ao nosso alcance. Em louvor de Cristo, amém!

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